sábado, setembro 13, 2008

II

É para o mundo exterior que abrimos os olhos todas as manhãs, é nele que, de bom ou malgrado, temos de procurar viver. No mundo interior não há trabalho nem monotonia. Visitamo-lo apenas sonhos e devaneios, e sua singularidade é tal que nunca encontramos o mesmo mundo em duas ocasiões.
(...)
Muitos do que ingerem mescalina experimentam apenas as sensações celestiais da esquizofrenia. A droga só leva o purgatório ou o inferno àqueles que tenham tido um acesso recente de icterícia ou que sofram de depressões periódicas ou ansiedade crônica. Se, como acontece com outras drogas de poder incomparavelmente menor, a mescalina fosse reconhecidamente tóxica, sua ingestão seria suficiente para causar ansiedade. Mas o indivíduo razoavelmente saudável sabe antecipadamente que, para si, esse alcalóide será completamente inócuo e que seus efeitos terão cessado após oito ou dez horas, se, deixar sensações desagradáveis nem, consequentemente, ânsias por novas doses. Fortalecido por essa convicção, ele pode entregar-se à experiência sem temores – em outras palavras, sem qualquer predisposição para converter um ensaio de uma singularidade sem precedentes, inumano, em algo de aterrador, de verdadeiramente diabólico.
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O esquizofrênico é uma alma, não só impura, como também desesperadamente desgostosa com sua situação. Seu tormento consiste na incapacidade de proteger-se contra a realidade, seja ela interior ou exterior (como faz o indivíduo normalmente são) refugiando-se no universo do senso-comum, por nós mesmos construído – esse mundo estritamente humano das noções úteis, dos símbolos compartilhados pelos demais, das convenções socialmente aceitáveis. O esquizofrênico é qual homem sob a influencia contínua da mescalina e, pois incapaz de deixar de experimentar uma realidade que ele não pode suportar por lhe faltar pureza; que não pode interpretar por ser ela o mais inflexível dos fatos fundamentais e que, por jamais permitir-lhe encarar o mundo com olhos simplesmente humanos, força-o a interpretar suas incessantes singularidades, sua candente intensidade de valores, como a manifestação da maldade humana ou até cósmica, levando-a às mais deseperadas contramedidas que vão da violência assassina, de um lado da escala, até a catatonia – ou suicídio psicológico – do outro. E, uma vez iniciada a descida pela rampa infernal, ninguém mais poderá deter-se. (...)

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