domingo, setembro 14, 2008

III

Saímos para a rua. Um grande automóvel azul claro estava estacionado junto à calçada. Ao vê-lo, fui repentinamente tomado de enorme alegria. Que prazer, que absurda satisfação comigo mesmo provinha daquelas superfícies abauladas do mais luzente esmalte! O homem criara à sua própria imagem. Ri até as lágrimas rolarem-me pelas faces.
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Os efeitos da mescalina já estavam se dissipando.
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Diante de nós, passavam os automóveis em uma torrente uniforme – milhares deles, todos brilhantes e polidos qual sonho de um anunciante, cada um deles mais ridículo que o precedente. Mais uma vez cai no riso convulsivo.
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Parece extremamente improvável que a humanidade, de um modo geral, jamais seja capaz de passar sem Paraísos Artificiais. A maioria dos homens e mulheres leva uma vida tão sofredora em seus pontos baixos e tão monótona em suas eminências, tão pobres e limitada, que os desejos de fuga, os anseios para superar-se, ainda por uns breves momentos, estão e têm estado sempre os principais apetites da alma. A arte e a religião, os carnavais e as saturnais, a dança e a apreciação da oratória, tudo isso tem servido, na frase de H. G. Wells, de Portas na Muralha. E na vida individual, para uso cotidiano, sempre houve drogas inebriantes. (...)
A maior parte dessas substâncias não pode ser atualmente adquirida, a não ser mediante prescrição médica ou então ilegalmente e com graves riscos. O ocidente só permite o uso irrestrito do fumo e do álcool. Todas as outras Portas químicas na Muralha são rotuladas como estupafacientes e seus consumidores ilegais são viciados.
Gastamos, hoje em dia, muito mais em cigarros e bebidas que com educação. E nada há de mais surpreendente nesse fato. O impulso de fugir a nós mesmos e ao que nos rodeia está presente em cada um de nós, quase todo o tempo.
Foto: cactus que contém o alcalóide mescalina.

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